A Corrupção das Pessoas pelo Poder e Ódio em Warcraft III

16 anos atrás em 2002 foi lançado pela Blizzard o jogo Warcraft III, o jogo deu seguimento a história de guerra e ódio entre os humanos moradores de Azeroth, e os orcs conquistadores vindos de outro mundo chamado Draenor. Eu conheci esse jogo em 2007, tinha 11 anos e um conhecimento raso de inglês, porém jogos RPG de console e pc sempre estiveram presentes em minha vida então consegui entender bem a história que me marcou bastante. Hoje, 9 anos depois, finalmente chegaram as minhas aguardadas férias que precedem o oitavo semestre e por algum motivo me deu uma vontade de jogar novamente Warcraft III, agora não mais o menino com os amigos na antiga Lan House de Tiago. E como era de se esperar tive outra interpretação e uma experiência totalmente diferente,o jogo continua o mesmo, então de certo quem mudou fui eu.

O jogo é divido em 4 campanhas lineares (uma com cada raça) que discorrem a história de pontos de vista diferentes, esse artifício narrativo (usado também em Game Of Thrones) permite a desconstrução dos personagens para pessoas ao invés de separa-los em heróis e vilões, mas eu era muito novo para abstrair isso ou entender o quanto esse conceito nos aproxima da história que se passa e dos personagens nela. A campanha dos humanos mostra em 9 capítulos a ascensão e queda do jovem paladino, filho do rei humano, Arthas Menethil. Durante a luta contra o mal demoníaco que esta invadindo o reino e transformando seu povo em servos mortos vivos, Arthas se torna cada vez mais forte enquanto a praga continua se espalhando e destruindo tudo o que ele ama. Medivh, o profeta, alerta o jovem príncipe de que ele deve reunir os humanos e partir para outro continente para que depois possam derrotar a praga (viva hoje e lute amanhã), mas Arthas tomado pelo sentimento de impotência e orgulho ignora o aviso. O capítulo 6 é o turning point do personagem pois nessa missão ele decide purgar uma cidade humana contaminada pela praga mas que ainda não havia se transformado em monstros mortos vivos (hoje vejo que apenas essa decisão já poderia render uma resenha de bar muito boa sobre ética, bem e mal e etc), seu mestre paladino Uther confronta sua decisão:

Arthas — Uther! Como seu futuro rei eu ordeno que você expurgue esta cidade.

Uther Você não é meu rei ainda, garoto. E não o obedeceria nem se você fosse.

Arthas — Então, eu devo considerar isso como um ato de traição.

Uther — Traição? Você enlouqueceu, Arthas?

Arthas — Será? Lorde Uther, com meu direito de sucessão a coroa eu dispenso você e seus paladinos de serviço. Aqueles que tem a força de vontade para salvar esse reino, me sigam! Os outros, sumam da minha frente!

Assim Arthas destrói uma cidade e culpa o Rei dos mortos vivos Mal’Ganis pelo que o fez fazer, abandonado por seu mentor, amigos e uma pequena parte do seu exército, a ira do príncipe se torna uma obsessão por vingança que o faz cometer outros atos terríveis como desobedecer a ordem para recuar dada por seu pai, destruir os navios para que seus homens não possam voltar pra casa e não terem escolha se não lutar por suas vidas, mas sem dúvida a pior delas foi empunhar a espada amaldiçoada Frostmourne mesmo tendo sido mais uma vez avisado sobre os perigos e a maldição que vinham com o grande poder da arma.

“Quem levar essa lâmina, exercerá o poder eterno. Assim como a lâmina dilacera a carne, o poder deverá lhe marcar o espírito” dizia o pedestal onde ela estava selada.

Arthas e a Frostmourne terminam por matar Mal’Ganis e concluir sua vingança, então, seguindo os sussurros da espada o poderoso paladino é engolido por uma nevasca e some pelas terras gélidas onde perdeu o que restava de sua sanidade.

Quando você olha muito tempo para o abismo, o abismo também olha para você (Nietzsche, 1886)

Após alguns meses, Arthas retorna a seu castelo onde seu pai o recebe feliz e agradecido, mas ele já não é mais o mesmo, totalmente corrompido e ouvindo apenas a voz da espada ele mata o próprio pai para o suceder como rei de uma legião que deve surgir, então se torna o novo líder da praga demoníaca que combatia.

Arthas após enlouquecer e ser corrompido pela maldição da espada.

Arthas não é o único exemplo em Warcraft sobre como o poder, ambição desmedida, obsessão e vingança corrompe as pessoas, historias como a do bruxo orc Gul’dan e o guerreiro orc Grommash Hellscream me fazem pensar que realmente os fins não justificam os meios, não se pode validar uma ação ruim por uma intenção boa por detrás dela. Talvez Maquiavel não defina bem o Arthas, mas certamente Nietzsche sim, pois quem luta contra monstros deve tomar bastante cuidado para não se tornar um deles e quando você olha muito tempo para o abismo, o abismo também olha para você.

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𝒉𝒂𝒍 𝒌𝒂𝒓𝒂𝒎𝒂𝒛𝒐𝒗

um nephilim, por vosso pai condenado, a vagar com seus dias contados tomado pela constante urgência de dizer algo que é, por natureza, incomunicável.