Ainda há algo original para se dizer sobre o amor?

Detesto tecer críticas a qualquer coisa. Me tornei um péssimo crítico com uma larga experiência em criticar quase tudo. Adoraria me absolver de qualquer culpa e dizer que é coisa da idade — Já consigo ver os 30 pela fresta da porta — mas a verdade é que tá mais pra um traço mórbido de personalidade. O que mais desprezo nas críticas é o seu tom “jornalístico” e como soam arrogantes — Não me entenda mal, sou um exímio arrogante, afinal a prática leva a perfeição, só não gosto de parecer arrogante. Se você aparenta ser algo que realmente é corre o terrível risco de ser coerente, ou ainda pior, cair no pecado imperdoável de ser genuíno consigo mesmo — mas devo dizer que pelas vielas da internet não vi nenhum artigo decente sobre Fleabag, logo, não serei eu que vai escreve-lo não é mesmo.

Eu não tenho o hábito de assistir séries, sempre preferi filmes. Não é nada pessoal, só acho que séries são cansativas, geralmente tem muitas temporadas e, honestamente, não acho que nossa geração tenha roteiristas que consigam produzir uma história que sustente cinco temporadas sólidas como foi Breaking Bad. Acho que o modelo das séries chegaram ao fim da linha onde ou você segue o algoritmo, lançando uma série de uma única season sobre cada tema existente na face da terra, ou você faz uma série de hospital com dezesseis seasons. De todo modo parece que a amazon acertou no formato. Duas seasons de seis episódios com 17–20 minutos cada, me pareceu razoável, agora, como enfiar uma boa história nisso já são outros quinhentos. Dá pra notar que Phoebe, além de interpretar a protagonista, foi quem escreveu. É o tipo de tarefa que quando surge na sua cabeça não pode ser delegada a outra pessoa pois ela não saberia executar como tem de ser, e o resultado é uma atuação impecável. Mas não acho que seja só sobre isso, parece que Phoebe se comunica verdadeiramente conosco quando patina entre momentos que você não sabe se deve rir ou chorar. Eu achei isso singular, é significativo, é original. A história da mulher que consegue saber o que os homens pensam antes deles mesmos pensarem e então banca a boba pois esse é o único jeito de se relacionar com qualquer um deles, é brilhante. Convenhamos que homens não são as criaturas mais complexas do mundo mas este é exatamente o ponto, só é tão bom porque é banalmente real.

Mas cortando a rasgação de seda, o que eu poderia acrescentar sobre uma série vencedora do emmy e aclamada pelo público? Bem, nada pra ser sincero, mas eis algo interessante que venho pensando desde que terminei de ver: como se diz eu te amo depois de 2010? Papo reto, em primeiro momento, largando mão de fazer juízo de valor sobre isso, aparentemente estamos perdendo nossa habilidade de nos conectar uns com os outros e claramente saímos prejudicados por isso. Nossa natureza social costuma ser mais visceral que tu imagina, está codificado no nosso dna a necessidade de tecer redes sociais de apoio. A solidão é uma resposta biológica a negativa dessa premissa — como o medo irracional do escuro — isso são vestígios, pegadas evolutivas de que você vagando sozinho pelas savanas africanas teria pouquíssimas chances de sobreviver. Então porque entrar nessa luta incessante contra a natureza só pra namorar a porra de um celular? Isso não faz sentido. E é óbvio que não faz, mas você já tentou namorar uma pessoa antes?

A raiz de paixão vem do grego pathos. Pathos vai dar em paixão assim como em patologia, e essa correlação é dolorosamente clara. A paixão de fato não seria senão um tipo de doença, uma doença da alma. Eu fico de cara ao perceber que esse tipo de conversa filosófica sobre o amor se dá há pelo menos 2400 anos. As pessoas tem se apaixonado desde sempre, e ainda hoje o fazem. O fenômeno singular de ficar obcecado em correr meus dedos pelos seus cachos, a música que inevitavelmente está amarrada a ela para sempre de tal modo que mesmo daqui a cinco anos quando ela tocar na praça de alimentação do shopping você vai se lembrar com clareza de como se sente agora… e talvez passar aqui pra tomar esse milkshake não tenha sido uma boa ideia. De algum modo essa experiência, ao mesmo tempo que é totalmente subjetiva, é compartilhada por todos nós. Não exatamente, é claro, ela foi abstraída, idealizada, e deu origem a todo tipo de narrativa no século 19 durante o romantismo. A gente já é cria disso, todo esse movimento respingou e deixaram horríveis marcas de alvejante, então qualquer tipo de escape dessa sinuca de bico nós aceitamos de bom grado — Uma porção de poliamor? Sim, por favor. Outra xícara de narcisismo? Com stevia e limão, grato. E que tal incapacidade de sustentar laços afetivos com um verniz moderno de autossuficiência e empoderamento? Amei! pode somar tudo e passar no crédito — mas afinal que escolha nós temos? Há saída para o dilema do porco espinho?

Você tem que aprender a fazer perguntas melhores se quiser alguma coisa por aqui… É claro que não tem saída, o inferno são os outros e namorar um aplicativo além de patético é muito black mirror. Porém como tudo que importa em filosofia é fazer a pergunta certa — mesmo que você também não saiba a resposta — eu vou te ajudar nessa: Ainda há algo original para se dizer sobre amor? Bem melhor né, agora eu começo a sentir que estamos chegando a algum lugar com isso . Eu penso que sempre há — Nessa o Arctic Monkeys lançou seis álbuns não foi? — mas cada narrativa é o reflexo de sua própria geração, a nossa é sobre esconder suas vulnerabilidades debaixo de grossas camadas de cinismo e sarcasmo, enquanto sustenta a persona pro público. Afinal não faz sentido mostrar aos outros onde dói, só que o preço disso é que ninguém nunca vai beijar suas feridas. Certo, então é preciso coragem para enxergar-se vulnerável uma vez que vulnerabilidade é condição pra amar. Agora tu pode pensar “Beleza, eu concordo palestrinha mas todo sofrimento continua aqui, deu uma volta enorme pra no fim não dizer nada” Justo, você tem razão nessa, e o que quero dizer é que se dói agora eu quero que doa ainda mais amanhã, e que no mês que vem eu a consiga sentir nos meus ossos, espero que meu próximo relacionamento seja o mais doloroso da minha vida até que um dia enfim chegue o casamento, e esse sim finalmente me mate se for o caso. Não existe tons de cinza nos afetos, ou você tá dentro e vai sofrer mais do que imagina ou você tá fora e vai sofrer mais do que imagina — e sozinho — , você goste disso ou não — não definitivamente não — as pessoas são tudo o que temos.

A tomada de consciência da tragédia, do abismo em si, é o primeiro passo, daí perceber que você já está caindo e não há nada que possa fazer sobre isso te da um bom panorama do seu tamanho em relação a vida e do lugar que ocupa por aqui. Você não pode impedir a tragédia mas ainda pode dançar quando ouvir a ultima trombeta. A queda é dureza mas e aí? O universo observável não passa de alguns milhões de galáxias — até então sem nenhum sinal de vida inteligente — com muito, muito vazio, escuro, silêncio e poeira entre elas, então não é como se você tivesse um rolê melhor pra ir. Não tropece e caia despretensiosamente no abismo, despenque no abismo, dance enquanto despenca no abismo, mas deixe a satisfação estética fora disso. Se for pra bancar o niilista jogue sério, não há ninguém assistindo lá fora, não haverá glória ou aplausos no fim da peça, depois que as cortinas fecharem todo o resto será silêncio. Eu espero que ela saiba dançar.

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𝒉𝒂𝒍 𝒌𝒂𝒓𝒂𝒎𝒂𝒛𝒐𝒗

um nephilim, por vosso pai condenado, a vagar com seus dias contados tomado pela constante urgência de dizer algo que é, por natureza, incomunicável.