Estúpido ensaio sobre arte e a misantropia do Drácula

Há 10 dias atrás eu assisti a animação original netflix Castlevania, uma série que é baseada na homônima franquia de jogos que possui uma legião de fãs, a primeira temporada possui 4 episódios e está disponível desde de julho de 2017, a segunda temporada estreia esse ano e uma terceira já foi confirmada. O primeiro episódio se passa no século XV e retrata Vlad Tepes (alguns anos após ter se tornado vampiro para proteger suas terras do império otomano) refugiado e sozinho em seu castelo até receber a visita inesperada de Lisa, uma camponesa que busca o conhecimento científico para ajudar as pessoas e melhorar o mundo. Logo Vlad se afeiçoa a mulher por enxergar nela qualidades que não via mais nos humanos como compaixão, empatia, esperança e respeito pelo conhecimento. Ele a permite morar em seu castelo e estudar tudo que deseja em sua biblioteca, mas quando o conde sai em uma viagem a igreja captura Lisa e a condena a fogueira sob a alegação de que suas práticas químicas e médicas eram certamente algum tipo de bruxaria. Ao retornar a cidade e descobrir o que aconteceu a sua esposa, Vlad decide invocar uma legião de demônios e varrer toda a vida humana do planeta um ano depois da morte de sua amada.

O discurso do Drácula me fez lembrar de uma conversa que tive com um tio meu, o qual eu gosto muito e que sempre me estimulou a filosofia e leitura, para mim era muito importante na época impressionar esse tio, então tentei entender o máximo que pude o livro Para além do bem e do mal, um dos muitos livros que ele havia me emprestado. É torturante tentar explicar as perguntas que Nietzsche traz nesse livro em poucas palavras, ainda mais eu sendo um leigo semi-versado com uma escrita pseudo-pomposa, mas se não escrever, certamente isso se perderá na minha cabeça.

O interessante desse livro é que ele não traz muitas respostas e sim perguntas, nem ao menos traz perguntas novas pois debates a cerca da essência boa ou má do comportamento humano já haviam sido abstraídas por Rousseau (XVIII), Hobbes (XVII) e até por Plauto há mais de cem anos antes de cristo em Roma. Então, a que se deve a obra prima de Nietzsche? Em minha mais que humilde interpretação, se deve a natureza crua e propositalmente pouco inteligível de sua escrita e ideias. Ele propõem a dissolução da moral cristã, que na época era basicamente o regimento no qual todo o ocidente vivia — E em certa medida é até hoje — , e nos convida a imaginar o que seria do homem após isso. Era um filósofo um tanto arrogante, sim, mas seria hipócrita se não concordasse com ele em alguns pontos, isso porque eu, Nietzsche, o Drácula e provavelmente você, não somos tão diferentes assim no fim das contas.

Como um ser condenado a eternidade Vlad já viveu algumas centenas de anos, acumulou bastante conhecimento e de certo já viu algumas centenas de exemplos da estupidez humana. Isso fez dele um completo misantropo, o assassinato de sua esposa foi a gota d’água para ele, quando confrontado por seu filho, Alucard, ele revela que já não tolera os humanos.

Não existem inocentes, não mais… Qualquer um poderia ter dito: “Não, não vamos mais nos portar como animais” mas escolheram não fazer nada.

Do mesmo modo eu já carrego 20 anos no couro, qualquer um que folhear um livro de história do século XX não tem motivo algum para ser otimista, esse é o drama da pós-modernidade. Vivemos ainda na era do capitalismo mais selvagem e assistimos impotentes a destruição dos recursos naturais em prol de um lucro sem sentido. A minha raiva e desconfiança de qualquer estrutura de poder quase não cabe em mim, então também desenvolvi um justificável desgosto moderado pela humanidade, porque deixamos coisas como essas se repetirem de novo e de novo na história?.

Minha dúvida a respeito da essência humana foi completamente esclarecida por Sartre (XX) em seu livro O existencialismo é um humanismo, uma recomendação do meu melhor amigo, ao contrário de Nietzsche, Sartre é muito inteligível e vai direto ao ponto — Quando se dispõe a isso, porque sua obra o ser e o nada são outros quinhentos — , além de fazer uso de analogias e metáforas facilmente compreensíveis, quase um rapper existencialista. Essas características fazem desse livro uma leitura confortável e bem digerível onde ele apresenta a ideia de que a existência precede a essência, de forma que nós humanos somos essencialmente nada antes de agirmos e construir a partir dessa ação nosso próprio destino, somos definidos apenas por nossas ações e a nossa essência é construída estritamente pelo o que fazemos. Esse é basicamente o conceito de liberdade responsável por Sartre. Em contrapartida, Nietzsche acreditava que na verdade a única forma de viver completamente livre seria o fim de todos os dogmas que limitam a verdadeira virtude e vontade dos homens, pregava o fim de toda a falsa moral e tudo que usamos de bengala para amortecer a vida (álcool e drogas), em sua célebre afirmação “Deus está morto, e nós o matamos” ele não diz de modo literal mas sim que no nosso processo de conscientização progressiva estamos abandonando as velhas crenças e dogmas sem sentido, o que nos deixa mais próximos de nos tornar o que ele chamou de Übermensch ou Além do Homem, que seria o homem totalmente livre e em paz na sua existência com os valores que ele mesmo criou para si.

O homem está condenado a ser livre, condenado porque não se criou a si próprio; e no entanto, livre, porque uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer (Sartre, 1978)

Nosso pensador bigodudo não era nem de longe tolo, por mais que o anseio da liberdade fizesse seu coração palpitar, ele sabia que uma vez diluída toda a moral a humanidade seria lançada ao caos niilista, no entanto, ele propõe que a lacuna deixada pelo falso saber seja preenchida pelo ensino da cultura, literatura, filosofia, arte e música. Portanto acreditava ele que a arte e a cultura em geral é a única coisa que pode salvar o homem da sua existência miserável em universo pouco significante sem que seja necessário narcóticos e entorpecentes.

Retornando ao Drácula que de certo segue o raciocínio do nosso filósofo alemão, os dois concordam que a arte expressa um dos (se não o único) lados genuinamente belos do homem, e se eu não estivesse também de acordo, claramente não estaria escrevendo esse texto para ninguém. Em minha opinião a melhor definição para arte é: Tudo aquilo que o artista diz ser arte e o receptor da mensagem aceita como arte, isso abrange as músicas que gostamos, os desenhos talentosos e coloridos de Amanda, e minhas reflexões possivelmente pertinentes.

Podemos enxergar Nietzsche como um filósofo arrogante, amargo, complexo e nada acessível, mas em verdade, eu o admiro por seu pensamento séculos a frente do seu tempo, sinceridade, abstração e honestidade consigo mesmo. Ele demonstra um lado muito humano e verdadeiro no conceito de Amor Fati o qual eu me identifico intimamente, Amor Fati é a aceitação da sua história e recusa a mudar qualquer acontecimento passado, isso transcende a aceitação pois é um amor real por tudo aquilo que desaguou no que hoje é você, o bom e o mau, o erro e a sabedoria, a vergonha e o orgulho.

Deixe que seja meu amor de agora em diante, eu não quero guerrilhar contra o que é feio, eu não quero acusar, não quero acusar nem mesmo aqueles que acusam. Olhar para longe deve ser minha única negação, e em tudo e ao todo um dia eu desejo ser alguém que só diz sim (Nietzsche, 1908)

Para mim o Amor Fati demonstra que, como qualquer pessoa, Nietzsche era sensível e trabalhava todo dia para conseguir a auto aceitação e paz consigo mesmo. Teria ele sido o precursor da filosofia good vibes que pode ou não ter sido endossada por drogas? Não sei, e na verdade, não faz a menor diferença.

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𝒉𝒂𝒍 𝒌𝒂𝒓𝒂𝒎𝒂𝒛𝒐𝒗

um nephilim, por vosso pai condenado, a vagar com seus dias contados tomado pela constante urgência de dizer algo que é, por natureza, incomunicável.